Fontes – Leila Nobre / Maria Leinad Carbogim

C. Honci – jornalista

Uma realidade sub-humana, que fazia da morte uma rotina diária. E que fazia da fome e das epidemias…companheiras permanentes. . . Uma catástrofe provocada pela insensatez.

Campos de Concentração no Ceará

Muito anterior aos campos de concentração nazistas na Alemanha, no Nordeste brasileiro foram criados campos, também chamados de “Os Currais Humanos” ou “Currais do Governo”, pelo Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), atual Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), que não entraram para os livros de história mas demonstram perfeitamente como os governos tratavam as questões sociais no Brasil, não atendendo a necessidade dos pobres, mas sim as exigências dos ricos e afortunados, nas secas de 1915 e 1932.

O objetivo dos campos era evitar que os retirantes alcançassem Fortaleza, trazendo “o caos, a miséria, a moléstia e a sujeira”, como informavam os boletins do poder público à época. A razão para o uso desta estratégia foi os temores de invasões e saques dos flagelados da seca em Fortaleza — isso já acontecera na seca de 1877, quando sertanejos famintos invadiram a capital cearense, atemorizando a população urbana.

Retirantes da seca de 1915 na Ponte Metálica de Fortaleza aguardando embarque.

Acervo Nilson Cruz

Os sertanejos ali alojados recebiam algum cuidado e comida, em troca eram colocados a trabalhar nas frentes de obras, sempre sob a vigilância de soldados. A classe dominante urbana também temia as epidemias, e assim as pessoas pobres eram trancadas em lugares onde as epidemias encontravam o ambiente perfeito para se proliferarem, mas isso não era problema para os ricos, desde que o enfermos ficassem longe.

O método para lidar com os retirantes foi a construção de campos de concentração. No romance O Quinze, da escritora cearense Raquel de Queiroz, é possível ler descrições detalhadas de um destes campos de concentração. A personagem principal do romance Conceição ajudava na distribuição de comida e roupas no campo. O romance chama-se O Quinze por tratar justamente da seca de 1915.

O começo –

Em 1915, uma seca severa fez com que os sertanejos se dirigissem para as grandes cidades, desta feita o Governo do Ceará, optou por criar o primeiro “campo de concentração, no Alagadiço, hoje Otávio Bonfim, ao oeste da cidade de Fortaleza, lá foram “abrigadas” mais de 8 mil almas a quem eram fornecidas alimentação sob a vigília constante de soldados. Mais uma vez (sim, essa infelizmente não foi a primeira e não seria a última seca na região) foi estimulada a migração para a Amazônia e o campo (curral humano) foi desativado em novembro do mesmo ano.

Decididamente aqueles não seriam anos bons para os cearenses. Depois das duas guerras de 1912 e 1914, famílias da região iriam assistir em 1915 a pior seca de todos os tempos. Um pressentimento ruim tomava conta de todo mundo. Toda população dependia de alguma forma da agricultura e a agricultura dependia das chuvas. Os comerciantes ficavam sem ter para quem vender, além disso, ainda estavam sujeitos a saques dos flagelados, ou o que era mais comum, acabavam tendo que dividir o pouco que tinham com parentes e agregados mais necessitados. O ambiente ficava pesado e só restava rezar, e rezar muito para que as chuvas aparecessem.

Só duas classes de gente lucravam (e ainda lucram) com as secas: os políticos, porque receberiam mais verbas “para ajudar aos flagelados” e grandes donos de terras que aproveitavam para adquirir mais terras e o gado magro dos pobres retirantes.
O preço de tudo subia e o povo sentia no bolso como pesava cuidar da família.

O governo federal estava prestes a autorizar a retomada da construção da EFB para dar ocupação a uma parte dos retirantes.
A miséria campeava infrene e terrífica em toda extensão do território cearense, e não havia lar que não tivesse sido assaltado pelo abutre da fome, com as suas garras aduncas e afiadas. A cidade de lguatú, mais que as demais situadas a margem da via-férrea, regorgitava de famintos d’este e dos estados vizinhos acossados também pelo excepcional flagelo, reduzidos a penúria extrema – sem pão – trigo, e sem abrigo.

Documental I –

1)“A miséria, consubstanciada nos trapos esquálidos e na cachexia profunda dos infelizes retirantes, emergia de todos os pontos da cidade. Era que em seu seio – praças, ruas e cercanias – achavam-se acantonadas cerca de 15.000 indigentes, todos a expensas exclusivamente da caridade particular já esgotada, aguardando, anciosos e com impaciência inquietadora de quem aspira com vehemência ver o término de seus sofrimentos, o início dos trabalhos do prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité. A varíola, em virtude da grande aglomeração de emigrantes e falta absoluta de hygiene entre elles, não se fez esperar; manifestou-se ameaçadora em diversos abarracamentos, sendo, porém, logo debellada, graças ao emprego de medidas enérgicas tomadas por este districto, – mandando isolar os pestosos e desenvolver com actividade a vacinação.” (Relatório da Inspectoria Federal das Estradas em:Benedito Genésio Ferreira – A estrada de Ferro de Baturité: 1870-1930 – Ed. NUDOC/UFC, 1989).

2)“Muita gente morreu de fome e doença naquela seca. Não só nas várias cidades do interior, mas principalmente Fortaleza foi invadida por retirantes.
O quadro de angústias e misérias que se presenciavam na própria capital, ampliava-se e reproduzia-se em todo o interior do Estado, como se fosse um cinema ambulante, a exhibir em scenas successivas, as mesmas fitas macabras!”
 (Relatório da Inspectoria Federal das Estradas em:Benedito Genésio Ferreira – A estrada de Ferro de Baturité: 1870-1930 – Ed. NUDOC/UFC, 1989)

O governo acuado desenvolveu alguns métodos para cuidar dos retirantes da seca. Um deles era mandá-los para a Amazônia onde havia prosperidade com a exploração da borracha. Neste ano estima-se que 30.000 retirantes migraram para a Amazônia.

Documental II –

“Cenas de desespero e impotência ante a prepotência governamental eram rotineiras no porto de Fortaleza. (…) Os comandantes dos navios onde viajavam os nordestinos (nos porões) da terceira classe, tinham ordem de proibir o embarque de doentes. (…) Inúmeras famílias foram desfeitas quando do embarque, pois ao ser detectado qualquer doente, o comandante mandava imediatamente desembarcá-lo. Assim muitas mães e pais foram separados a força dos filhos.” (Vida e Morte no Sertão – Marco Antonio Villa – Ed. Ática, 2000).

A História e a insensatez

Um amplo programa de criação de campos de concentração, em que os retirantes fossem induzidos a entrar e proibidos de sair, foi implementado com total apoio da Interventoria Federal no Ceará. A fim de prevenir a “afluência tumultuária” de retirantes famintos a Fortaleza, cinco campos localizavam-se nas proximidades das principais vias de acesso à capital, atraindo os agricultores que perdiam suas colheitas e se viam à mercê da caridade pública ou privada. Dois campos menores situavam-se em locais estratégicos de Fortaleza, conectados às estações de trem que traziam os famintos, impedindo que eles circulassem livremente pelos espaços da capital. Uma vez dentro do campo, o retirante era obrigado não só a permanecer nele durante todo o período considerado de seca, mas deveria submeter-se a condições de moradia, relacionamento, trabalho e comportamento regulados pelas normas irredutíveis ditadas pelos dirigentes indicados pelo interventor – prefeitos nomeados e engenheiros do IFOCS. Os campos, portanto, pretendiam impedir a mobilidade física e política dos retirantes através da concessão de rações diárias e de assistência médica. O controle dessa imensa população – o maior campo, na cidade do Crato, chegou a abrigar quase 60 mil pessoas – representou um gigantesco esforço de organização, que tinha seu contraponto nas ações violentas das multidões de retirantes que ameaçavam tomar em suas mãos a resolução de suas aflições.

Guardas do governo de vigia em campo de concentração no CE.

Ao mesmo tempo, novos campos de concentração foram organizados na capital, procurando evitar o trânsito indesejado dos retirantes pelas ruas da cidade. Em outubro, os campos foram unificados no campo do Alagadiço, sob a direção das irmãs Marianas, do Dispensário dos Pobres. Uma comissão de senhoras, liderada pela sr.ª Anita Gentil Barbosa, administrava os serviços, procurando oferecer socorro para as crianças, vestuário e assistência hospitalar, tendo conseguido um “generoso auxílio do comércio” e prometendo prestar contas do dinheiro arrecadado, “uma vez findos os seus trabalhos“. O campo, também chamado de “albergue“, no entanto, não era “rigorosamente o que desejavam realizar as autoridades do Ministério do Trabalho“, com dois mil retirantes se amontoando “sob a sombra de árvores frondosas, encontrando-se, por conseguinte, expostos á chuva“, em condições higiênicas precárias.

Os períodos de estiagem que fazem parte do clima do Nordeste brasileiro despertaram (e despertam) a atenção dos governantes desde a época do Império de D. Pedro II. E, por sua vez, estes reagiram com planos e projetos nas áreas de engenharia, social e política, tentando assim amenizar as conseqüências das secas tanto para as populações diretamente afetadas (os flagelados), bem como as classes políticas locais.

A criação do Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), atual Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), em 1909 por Nilo Peçanha é uma das respostas governamentais ao fenômeno da seca.

A seca e a fome no sertão cearense

Século XXI o começo do fim da industria da seca.

fotografia
Canal da Transposição do Rio São Francisco

A Transposição do rio São Francisco tornou-se um sonho para o nordestino em geral, principalmente aqueles das regiões onde a seca atinge de forma mais intensa, prejudicando a colheita, o gado e a própria família sertaneja.

Acontece que, em 2008, o Governo Federal, enfim, resolveu criar o projeto, transposição do rio São Francisco, abrindo um canal levando água pra toda a região nordeste do país. Esse projeto foi criado no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), chegou a dar prosseguimento no governo da sua sucessora Dilma Roussef (PT), más, só 12 anos depois de iniciado, foi concluído em junho de 2020 no governo Jair Bolsonaro (Sem partido).

Segundo o jornalista Inácio Aguiar informou em seu Blog, o atual Ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, diz que há um otimismo em relação à solução do impasse que ainda existe entre Governo Federal e os estados na questão dos custos das águas da Transposição do Rio São Francisco e o peso no bolso do consumidor final, boa parte dele já de baixa renda. Enfatizou que o assunto está sendo tratado e que os estados que já estão sendo beneficiados têm um entendimento sobre a questão.

A obra, que consumiu mais de R$ 10 bilhões desde o início, recebeu, só no Governo Bolsonaro, R$ 1,5 bi. Segundo o ministro Marinho, a obra é do ‘Estado Brasileiro’, portanto, perpassa qualquer questão político-partidária.

Após mais de um século de sofrimentos dos cearenses e do nordestino em geral com a seca, governos devem se preocupar menos com os custos mínimos de tão eloquente projeto que beneficia toda uma população do semi árido nordestino.

Que não se percam em intrigas políticos partidárias os benefícios que trará ao povo a transposição do rio São Francisco e que não venha a se tornar poeira daqui á alguns anos todo esse projeto, por puro desleixo político.

Vias & Rodovias – 22 anos.